Segunda-feira, 14 de Novembro de 2016 às 17:37 Postado por A COZINHA DOS QUILOMBOS News

Quilombo da Tapera Petrópolis, Região Serrana

Quilombo da Tapera Petrópolis, Região Serrana

Dois significados atribuem-se à palavra “nobreza”: (i) pessoas que, por nascimento, possuem títulos que as distinguem dos demais; e (ii) elevação moral dos indivíduos. Na Cidade de Petrópolis, onde se abrigou a família real portuguesa no passado imperial e onde vivem, hoje, alguns de seus descendentes, encontramos indivíduos nobres, no sentido ético do
termo, cuja regra de etiqueta mais importante é a solidariedade. Essas pessoas vivem no Quilombo da Tapera, situado no Distrito de Itaipava, uma área de Petrópolis com grande movimentação turística em virtude do clima ameno da montanha.

Em 2011, no mesmo ano que a comunidade fora reconhecida como remanescente de quilombo, o grupo sofreu com a tragédia climática que afetou a região Serrana. Nas terras de Tapera, o pequeno córrego existente no local, com o intenso volume das chuvas, transformou-se em um grande rio. Assim, quando a enxurrada desceu a montanha, destruiu algumas casas e afetou a estrutura de muitas outras. Em decorrência desse acontecimento, o grupo retornou ao território apenas recentemente, após a construção de novas moradias pela prefeitura da cidade. Alguns moradores mencionam que, durante o processo de reconstrução do espaço, se organizavam em mutirões
aos domingos, para a construção de espaços coletivos, como, por exemplo, a capela.

O rastro desse entrosamento manifestou-se quando Dona Tereza e Dona Sandra ensinavam as receitas, sob o atento olhar de uma plêiade de amigos e de familiares: Adão, Denise, Elizabeth, Eva, Maria Aparecida, entre outros. No Quilombo da Tapera, essa prática de falar dos costumes alimentares, depois dos trágicos eventos que ocorreram, também representa uma forma de enraizarem-se.

Alguns desses personagens são: Dona Tereza, mãe de Adão, que é casado com Denise, neta de Mário André (in memoriam), pai de Dona Sandra. No centro da conversa, à mesa, permanecia o prato de tutu com couve e torresmos. Essa receita faz com que Denise, jovem liderança da comunidade, evoque a presença do falecido avô: “Ele fazia um tutu lá. Ele botava feijão, ovo, só isso que ele comia: arroz e tutu. E o café da manhã era água doce. Aí ele batia pandeiro, batia pandeiro assim no braço, na perna, na cabeça, batia muito mesmo. Ele também trabalhava de...(pausa) tirando areia, tinha um nome...” Adão completa: “Era cambuqueiro, quebrava pedra, porque o avô dela é meu tio, tio do meu pai.” Dona Sandra, finaliza: “O tutu, aprendi com meu pai.” Além disso, informaram que Seu Mário gostava de comer e plantar couve, serralha, batata e cenoura.

Depois do difícil período após as enchentes, agora é o momento de acionarem a memória espacial como outra forma de enraizarem-se, o que os faz lembrar do moinho que existira na comunidade no passado. Dona Sandra diz: “Antigamente, a gente tirava quase tudo daqui, plantava feijão. Única coisa que a gente não tinha aqui era arroz, fubá era feito no moinho.” Dona Tereza, a rezadeira da comunidade, fala com sabedoria: “Agora, no momento, a gente tá recomeçando agora porque a gente perdeu tudo na enchente. Então, a gente tá comprando galinha, tá plantando, agora devagar [...].”