Segunda-feira, 14 de Novembro de 2016 às 16:56 Postado por A COZINHA DOS QUILOMBOS História dos Quilombos

Quilombo da Marambaia Mangaratiba, Região da Costa Verde

Quilombo da Marambaia Mangaratiba, Região da Costa Verde

A Ilha da Marambaia, área de segurança nacional controlada pela Marinha Brasileira, situa-se no litoral do Município de Mangaratiba. A vegetação da ilha possuiu reservas da Mata Atlântica, típica do Sudeste brasileiro, manguezais e grandes áreas de restinga, as quais incluem praias e dunas.

Na praia do Centro de Adestramento da Marinha (CADIM), visualizam-se casas de alvenaria em que, desde 1971, residem militares e funcionários federais. A leste da ilha, em direção à restinga, e a oeste, em direção à ponta da Marambaia, observam-se casas de alvenaria e de estuque, onde residem os descendentes diretos e indiretos dos antigos escravos do Comendador Joaquim de Souza Breves, conhecido como senhor do café e do tráfico durante o período escravista. Hoje, parte dessa população insular constitui a Comunidade Remanescente de Quilombo da Ilha da Marambaia, grupo que luta pela posse das terras que ocupam.

Nesse cenário paradisíaco, em uma ensolarada manhã de abril, as lideranças quilombolas da comunidade proporcionaram um delicioso café da manhã, com direito à degustação de saboroso bolo de fubá com coco, uma iguaria típica entre os ilhéus. Em conversa risonha, o porta-voz e atual presidente da associação quilombola da comunidade, Nilton Carlos Alves, de 32 anos, contou como as práticas costumeiras, como, por exemplo, a pesca, o roçado e a culinária, revelam uma das principais características do grupo: o uso coletivo do território.

Apesar da complexidade dessa situação territorial, Nilton Carlos Alves, em meios a sonoras risadas, explicou sobre função agregadora que o preparo dos alimentos proporciona. No passado, do momento da plantação até o preparo do alimento, todas as etapas eram motivo para os moradores estarem juntos, como relata Nilton: “Aí, aquela questão de poder plantar a cana e lá colher depois e a gente sempre se reunia nos domingos. Normalmente, no domingo de manhã, após a missa ou domingo à tarde para moer a cana. Aí, no dia seguinte, poder fazer o café de cana, de poder comer a batata doce, o aipim que nos mesmos plantamos, né? O milho que vai colher.”

A alegria de poder estar junto e preparar os alimentos, como descreve Nilton com sorriso nos lábios: “Se nossa vó falava assim: Oh! amanhã a gente vai matar galinha! Aí a gente já ia dormir com aquilo envolvido. Porque a gente vai matar a galinha [...]. Ah, quem vai matar vai ser a vó. [A avó] Não deixava a gente matar; na verdade, ela nem deixava a gente
ver ela matando, né? Que a gente era criança. Eu vou depenar, eu vou ajudar ela a limpar, ah!, eu vou ajudar no preparo. A gente se envolvia muito.”

A pesca representa uma prática muito importante para o grupo, por isso, o peixe é lembrado como um dos alimentos mais tradicionais, conforme destaca Nilton: “Eu acho que é muito importante realmente na vida da comunidade tradicional, dos quilombolas. A gente pode ir ali e colher o peixe, e pegar, e colocar na brasa, fazer o pirão, o peixe com banana.”

Ainda sobre o peixe, Dona Dulce, de 61 anos, moradora da comunidade, lembra que ainda menina já o preparava na brasa: “Às vezes, deixava fogo acesso pra gente. Aí, aquele fogo, aquelas lenhas... A gente carregava a brasa pra não ter coisa de se queimar pra comer. Deixar aquele peixe... A gente fazia sopa de farinha, botava água dentro daquela farinha, fazia sopa d'água pra comer com aquele peixe assado.”

“Nenhum homem é uma ilha isolada”, escreveu o poeta inglês John Done. É esse o espírito que favorece a permanência dos quilombolas na Marambaia, porque o uso coletivo do  território, a culinária e a gastronomia são experiências que reforçam os laços entre as pessoas.