Segunda-feira, 14 de Novembro de 2016 às 17:16 Postado por A COZINHA DOS QUILOMBOS História dos Quilombos

Quilombo Rasa Armação dos Búzios, Região Baixada Litorânea

Quilombo Rasa Armação dos Búzios, Região Baixada Litorânea

Em Rasa, comunidade que fica em Armação dos Búzios, região dos Lagos do Estado do Rio de Janeiro, o tom do encontro foi dado pelo pôr do sol, e a melodia do cardápio musical veio da sonoridade imposta pelo vento. Contudo, foi a voz afinada de Dona Uia que encheu o ambiente de harmonia. Com risonha proficiência, ela rege uma orquestra de histórias, versos, jongos e, obviamente, inúmeras receitas, os quais explicitam os vínculos estabelecidos entre os moradores de Rasa e as terras que tradicionalmente habitam. A
história dessa localidade relaciona-se a dois processos articulados no período anterior e posterior à abolição da escravatura.

Antes da abolição, os relatos apontam para a existência de um quilombo estabelecido na região entre as mediações do Morro do Arpoador, da Praia dos Negros e da Praia Rasa, no limite com a Cidade de Cabo Frio. Alguns moradores de Rasa descrevem esses espaços como lugares para onde se dirigiam os negros escravizados: tanto aqueles que conseguiam fugir no momento do desembarque dos navios negreiros, quanto os demais que escapavam da vigilância dos feitores.

Toda essa história oficial é traduzida por Dona Uia por intermédio da relação que estabelece com a culinária. Nascida na comunidade, há 72 anos, ela conta que partiu em direção à Cidade do Rio de Janeiro, aos 16 anos, para trabalhar. Naquele momento, começou a atuar na cozinha profissionalmente. Além disso, no que se refere às lembranças da infância, afirma não haver arroz; comiam-se feijão, abóbora, quiabo e peixe. Com certa nostalgia, rememora: “eram felizes na roça porque não havia vaidade [...]. A gente era tão feliz e não
sabia”.

Nas receitas que ensina, peixes, moluscos e mariscos ganham destaque. Merece atenção a forma como descreve a sarandagem, receita do tempo da escravidão: “A gente vai ali na praia, a gente pega todos os tipos, sacutá... É, nega minha, é marisco, mais o que é unha de veio [...]. Isso tudo é coisa que a gente pega na praia, é sururu de cavalaria. A gente pega isso tudo, junta. Quando chega na cozinha com as panela direitinho [...], vai lavando, vai lavando. Precisa ser bem limpo, bem lavado, porque ele amarga também [...]. Bota na pressão porque é duro, né? Cozinha tudo e aí a gente tem todos os ingredientes, bota legume [...].”

A receita tem relação com os ancestrais, conforme Dona Uia esclarece: “Ela é a tradição de nossos avós, bisavós, porque eles já faziam.”

Não obstante a receita da sarandagem ter de esperar a lua certa - que rufem os tambores! -, a moqueca de peixe de Dona Uia está posta à mesa. Ao final da degustação, resta aplaudir e regozijar.