Quilombo de Deserto Feliz São Francisco de Itabapoana, Região Norte Fluminense
Reza a lenda que o nome do Quilombo de Deserto Feliz surgiu da risada dos escravos que ecoava para locais longínquos de onde podia ser ouvida. Hoje, na localidade, situada no Município de São Francisco de Itabapoana, vivem, aproximadamente, 130 pessoas identificadas como remanescentes de quilombo. Segundo Dalva Abreu, de 59 anos, presidente da comunidade, o grupo tem reativado antigas tradições, como, por exemplo, o jongo, além de manter vivas outras práticas costumeiras, como, por exemplo, as festas de Nossa Senhora da Conceição, em 8 de dezembro, e de São João Batista, em 24 de junho, bem como o forró que acontece aos sábados.
Em Deserto Feliz, Dona Maria das Neves Cruz, de 70 anos, também conhecida como Dona Santinha, foi a anfitriã, em cujas narrativas as memórias mais intensas referem-se ao forró e à culinária. De acordo com ela: “Aquele negócio de baile, forró, a gente ia. Chegou lá, a gente se encontrou... começamos a namorar e graças a Deus casei direitinho.” Assim, em meio ao arrasta-pé e ao fole da sanfona, Dona Santinha conheceu seu marido aos 15 anos de idade. A partir desse momento, inúmeros acontecimentos emergiram: gerou 15 filhos, dos quais oito, infelizmente, faleceram, e ficou viúva. Entretanto, a alegria de frequentar o forró permanece inalterada em sua rotina semanal.
Nesse mesmo clima festivo, Dona Santinha gosta de cozinhar quando reúne a grande família, composta por vários filhos, netos e bisnetos: “Eu faço carne assada, faço galinha, um pouco de macarrão, arroz com galinha... O que ele gosta... carne de gado frita [...] doce, eu sempre faço pudim, eles gostam muito. Faço um doce de mamão, é gostoso o [...] eles gostam muito.”
Hoje, os familiares podem saborear os pratos que Dona Santinha prepara com habilidade, o que se deve a um aprendizado que começou em sua infância, conforme declara: “Tinha que cozinhar, mãe trabalhava fora com negócio de roça. Aí, eu ficava em casa tomando conta dos irmãos.” Naquela época, não podia faltar café com caldo de cana, como diz: “Cana, tirava aquele caldo, fazia o café... aí, a gente tomava, cozinhava aquela batata, cozinhado batata doce [...]. Então, é com garapa de café, né? E a gente foi criada com isso aí.”
Do passado vivido com dificuldades, emergem as lembranças de Dona Santinha: “Nós era assim muito pobre, né? [...] A gente fazia, assim, sabe o quê? Ensopado de batata [...] comprava aquela carne de gado... Aí, fazia aquele ensopado... Aí a gente comia... Aí, depois a gente foi crescendo. Comia muito também era esse angu com feijão.”
O angu doce preparado por Dona Santinha é uma das receitas que fizeram parte de sua infância, a qual fora atravessada por dificuldades materiais, mas rica na construção de aberes. Por isso, experimentar esse prato, aparentemente tão simples, permite a sensação de imensa ventura.