Segunda-feira, 14 de Novembro de 2016 às 17:28 Postado por A COZINHA DOS QUILOMBOS News

Quilombo de São Benedito São Fidélis, Região Norte Fluminense

Quilombo de São Benedito São Fidélis, Região Norte Fluminense

Descendente de escravos etíopes, São Benedito viveu na Itália durante a primeira metade do século XVI. Segundo relatos, depois de 17 anos entre os eremitas, foi designado para ser cozinheiro no Convento dos Capuchinhos, de cuja dispensa retirava alguns alimentos e os escondia sob as vestes, para levar aos mais necessitados. Por conta desse currículo hagiográfico, desde o período Colonial, São Benedito tornou-se um santo muito popular no Brasil, cuja devoção tem exercido forte influência na religiosidade da população negra.

Não por acaso, o nome da comunidade negra rural de São Benedito, situada no Município de São Fidélis, homenageia esse santo, considerado protetor dos cozinheiros e dos negros. O grupo composto por, aproximadamente, 60 pessoas, comemora, anualmente, o Dia da Consciência Negra, em 23 de novembro. Nessa data, serve-se, entre outras receitas, o biju recheado, uma invenção de Alda Maria Pereira da Silva (53 anos), uma das pessoas da comunidade responsáveis pela transmissão dos saberes.

O conhecimento culinário de Dona Alda construiu-se no rastro das lembranças dos pratos que seus pais preparavam. Com afeto, narra como se degustasse a carne de porco que sua mãe fazia: “Carne de porco fresca, conservava na lata, né? [...] ficava boa demais, eu não sei fazer aquilo. Era uma delícia, a gente pegava, podia tá na gordura ainda, apanhava e comia. Era muito boa. Ela não tirava o toucinho da carne, ela fritava direto. [...] era uma maravilha, a gente pegava, a gente fazia farinha torrada em casa. Papai fazia e enchia aquelas lata de biscoito cheia de farinha torrada em casa. Chega a bater na boca e tá até crocante. A gente ia capinar milho, capinar [...] eu mesmo fazia muito isso: pegava um garfo e via se ela [a mãe] não tava vendo, ia dentro da lata de gordura mexia, mexia até vê se encontrava carne. Aí, quando eu achava, eu pegava, enfiava o garfo na carne, e
pegava e batia... batia bem a gordura, ia na farinha enfia assim [risos]. [...] Aí, de vez em quando, ela ia esquentar a carne pra fazer, né? Ela falava assim: a carne tá diminuindo [risos]. Ela sabia que era eu que pegava, sempre era eu que pegava.”

Ao passo que a carne de porco se associa à imagem e às lembranças de sua mãe, criou-se a receita do biju recheado por meio da observação do que seu pai fazia. Dona Alda olhava, com atenção, o preparo da massa de biju por seu pai. Conforme ela: “É... isso aí já foi uma criação da cozinha que a gente já vem cozinhando há tempo. Então, um vem e dá uma ideia de alguma coisa. Então, eu fui mais ou menos imaginando como que eu podia fazer um recheio, como eu recheio a panqueca. Eu imaginei rechear o biju, que também deve ficar
uma maravilha igual à panqueca, e eu fiz no feitio parecido da panqueca. Essa não é a primeira vez que eu faço não, tem outras vezes que eu fiz, a ideia de hoje foi diferente, tem que aparecer.”

Outro importante membro do Quilombo de São Benedito, Seu João Batista, também aprendeu a cozinhar por meio da observação dos mais velhos e gosta de preparar de tudo. Entretanto, os pratos mais elogiados são o feijão e a feijoada. Com efeito, Seu João sintetiza: “O amor é o tempero de todas as coisas. O amor tempera tudo!”