Quilombo de São Benedito São Fidélis, Região Norte Fluminense
Descendente de escravos etíopes, São Benedito viveu na Itália durante a primeira metade do século XVI. Segundo relatos, depois de 17 anos entre os eremitas, foi designado para ser cozinheiro no Convento dos Capuchinhos, de cuja dispensa retirava alguns alimentos e os escondia sob as vestes, para levar aos mais necessitados. Por conta desse currículo hagiográfico, desde o período Colonial, São Benedito tornou-se um santo muito popular no Brasil, cuja devoção tem exercido forte influência na religiosidade da população negra.
Não por acaso, o nome da comunidade negra rural de São Benedito, situada no Município de São Fidélis, homenageia esse santo, considerado protetor dos cozinheiros e dos negros. O grupo composto por, aproximadamente, 60 pessoas, comemora, anualmente, o Dia da Consciência Negra, em 23 de novembro. Nessa data, serve-se, entre outras receitas, o biju recheado, uma invenção de Alda Maria Pereira da Silva (53 anos), uma das pessoas da comunidade responsáveis pela transmissão dos saberes.
O conhecimento culinário de Dona Alda construiu-se no rastro das lembranças dos pratos que seus pais preparavam. Com afeto, narra como se degustasse a carne de porco que sua mãe fazia: “Carne de porco fresca, conservava na lata, né? [...] ficava boa demais, eu não sei fazer aquilo. Era uma delícia, a gente pegava, podia tá na gordura ainda, apanhava e comia. Era muito boa. Ela não tirava o toucinho da carne, ela fritava direto. [...] era uma maravilha, a gente pegava, a gente fazia farinha torrada em casa. Papai fazia e enchia aquelas lata de biscoito cheia de farinha torrada em casa. Chega a bater na boca e tá até crocante. A gente ia capinar milho, capinar [...] eu mesmo fazia muito isso: pegava um garfo e via se ela [a mãe] não tava vendo, ia dentro da lata de gordura mexia, mexia até vê se encontrava carne. Aí, quando eu achava, eu pegava, enfiava o garfo na carne, e
pegava e batia... batia bem a gordura, ia na farinha enfia assim [risos]. [...] Aí, de vez em quando, ela ia esquentar a carne pra fazer, né? Ela falava assim: a carne tá diminuindo [risos]. Ela sabia que era eu que pegava, sempre era eu que pegava.”
Ao passo que a carne de porco se associa à imagem e às lembranças de sua mãe, criou-se a receita do biju recheado por meio da observação do que seu pai fazia. Dona Alda olhava, com atenção, o preparo da massa de biju por seu pai. Conforme ela: “É... isso aí já foi uma criação da cozinha que a gente já vem cozinhando há tempo. Então, um vem e dá uma ideia de alguma coisa. Então, eu fui mais ou menos imaginando como que eu podia fazer um recheio, como eu recheio a panqueca. Eu imaginei rechear o biju, que também deve ficar
uma maravilha igual à panqueca, e eu fiz no feitio parecido da panqueca. Essa não é a primeira vez que eu faço não, tem outras vezes que eu fiz, a ideia de hoje foi diferente, tem que aparecer.”
Outro importante membro do Quilombo de São Benedito, Seu João Batista, também aprendeu a cozinhar por meio da observação dos mais velhos e gosta de preparar de tudo. Entretanto, os pratos mais elogiados são o feijão e a feijoada. Com efeito, Seu João sintetiza: “O amor é o tempero de todas as coisas. O amor tempera tudo!”