Quilombo de Sobara Araruama, Região das Baixadas Litorâneas
Rememorar é uma forma de agir sobre o presente. Os jovens do Quilombo de Sobara, situado na área rural do Município de Araruama, Willian, Rosiana e Daniele, têm utilizado os saberes do passado como meio de buscar melhorias para a comunidade. A falta de expectativa no que tange às condições de sobrevivência por meio da agricultura tem levado a juventude de vários quilombos a sair de suas terras à procura de trabalho.
Em Sobara, no centro dessa problemática, encontra-se a desorganização da agricultura familiar. No passado, o cultivo do aipim, da mandioca brava - para a produção da farinha -, do milho, do feijão, da batata, da banana, da laranja, da cana-de-açúcar e do urucum, bem como a criação de animais de pequeno porte, eram os principais meios de sustento entre os moradores. O excedente da produção vendia-se nas proximidades. Com efeito, para esses jovens, falar a respeito da culinária e da gastronomia praticadas ao longo da infância é um agenciamento sobre o momento presente.
Para dimensionar um pouco a história do grupo, em meados do século XIX, após a oficialização da expropriação das terras dos indígenas da Aldeia de São Pedro, surgiram médias e grandes fazendas em Aruarama. Entre essas, destacam-se as fazendas Espírito Santo e Sobara, cujos relatos históricos sinalizam que as famílias residentes atualmente na comunidade de Sobara descendem, em parte, dos plantéis dos escravos dessas fazendas oitocentistas.
Deslocando-se para um período mais recente, entre as décadas de 1960 e 1970, a região sofrera algumas transformações que afetaram a vida dos moradores de Sobara. Inicialmente, ocorreu a substituição da lavoura pelo gado na Fazenda de Sobara. Depois, houve a aquisição de várias fazendas da região por dois grupos de compradores: um
denominado genericamente “portugueses” pelos moradores de Sobara e outro constituído pela empresa Agrisa Agroindustrial São João. Os primeiros dedicaram-se à plantação em larga escala da laranja; enquanto os segundos adquiriram, entre outras terras, a fazenda Sobara e introduziram a monocultura da cana-de-açúcar. Essas modificações fizeram com que muitos moradores de Sobara passassem a trabalhar nas lavouras da laranja e de cana-de-açúcar como mão de obra assalariada ou esporádica.
Já na década de 1990, a substituição das lavouras de laranja pelo gado favoreceu transformações na agricultura familiar. Esse processo, conforme ressalta Willian, presidente da recém-inaugurada Associação da Comunidade Remanescente de Quilombo de Sobara, acarretou considerável prejuízo para a lavoura de sobrevivência do grupo: “Como você pode perceber, aqui os sítios é estreito e a gente fica no meio. Então, eu acredito, eu não tenho acesso [...] bem no início quando puxa na história, é a gente foi quase... expulso das melhores partes, dos melhores lugares na terra e ficando com a parte mais... por isso que hoje a gente não planta mais [...]. Meu pai parou de plantar por isso.”