Segunda-feira, 14 de Novembro de 2016 às 17:25 Postado por A COZINHA DOS QUILOMBOS News

Quilombo Santana Quatis, Região Médio Paraíba

Quilombo Santana Quatis, Região Médio Paraíba

Dona Olga cresceu na comunidade de Santana, situada no Distrito de Ribeirão de São Joaquim, em Quatis. O belíssimo lugar, localizado entre a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira, serviu, no século XIX, de passagem dos tropeiros para a Capitania das Minas Gerais, o que favoreceu o desenvolvimento da localidade, além do comércio e da construção de inúmeras fazendas.

A trajetória histórica da comunidade está relacionada aos processos migratórios que ocorreram no local após o período da abolição da escravatura. Naquela época, as famílias dos libertos chegaram às terras da Fazenda Retiro, posteriormente, rebatizada de Santana, em homenagem à padroeira da fazenda. Em 1998, reconheceu-se a comunidade como remanescente de quilombo, e, atualmente, a culinária e a medicina alternativa constituem elementos culturais que vêm sendo transmitidos e reelaborados pelos moradores.

A esse respeito, Dona Olga é um arquivo vivo. Com 61 anos, embora não possa realizar o esforço físico que o trabalho agrícola exige, descreve essa experiência com um entusiasmo contagiante: “Eu gosto de colher muito é feijão e arroz, porque se vai batendo e depois se busca a enxada. Agora, o milho também é muito bom. [...] Fartura se vê quando faz um montão grande. É esse que eu gosto.” Ainda acrescenta: Eu quero plantar, eu quero colher. A gente tem umas vaquinhas aí, mas não tem lugar pra elas comer. [A terra] num precisa ser grande não, uns dois alquere tá bom, plantar milho, plantar mandioca, plantar feijão, arroz.”

Dona Olga tinha seis anos quando aprendeu a cozinhar. Das avós e da mãe, herdou as receitas, os utensílios e o modo como se relaciona com a terra. Integrando, organicamente, a cozinha e o território, saboreia cada memória sobre a forma como a mãe cozinhava: “[...] a couve que ela gostava muito de comer, ela fazia a couve bem fininha, botava numa panelinha que ela tinha [...]”. 

Na cozinha, há inúmeras relíquias familiares: o caldeirão de ferro que já existia antes de Dona Olga nascer; a caneca que ganhara de sua mãe como presente de casamento; e o suporte de madeira em que coava o café com garapa. Com orgulho, ela comenta: “[...] nós plantava muito, era arroz, feijão, milho, batata, amendoim, melancia, pepino. Era de tudo que você pode imaginar de plantação”.

O açúcar era o único item da despensa que compravam; por isso, Dona Olga afirma: “Essa comida era a nossa riqueza. Não tem agrotóxico, não tem nada. Ela é feita com água e sereno.” Entretanto, a riqueza também decorre do fazer, já que a abóbora e a couve, encontradas no Quilombo de Santana, por exemplo, são ingredientes largamente utilizados nas receitas, de maneira criativa e sofisticada. Haja vista que a criatividade e a alquimia caminham juntas, lado a lado, de tudo se aproveita: o talo, a folha, a flor e a casca. 

Sobre o bolo de casca de abóbora, Dona Olga menciona: “Isso é bom! É vitamina. Uma coisa que você come. É sustentável. Antigamente, não tinha muita farinha de trigo, mais era o fubá. O bolo de fubá é muito melhor [...]. Você pega a abóbora bem cascada. Lava bem lavadinha a casca e pica os pedacinhos, bota no liquidificador e bate. [...] Aí, bate bem batidinho [...].”

A flor e o broto de abóbora são utilizados na omelete, com maestria por Dona Olga: “Pega a flor da abóbora e bate o ovo bem batidinho. Aí, você pica bem lavadinho, porque ela tem um negocinho por dentro. Pica ela [a cambuquira] bem picadinha, coloca no ovo, bota um pouquinho de farinha. [...] Hum, prova, pra vocês vê [...].”