Quilombo Santana Quatis, Região Médio Paraíba
Dona Olga cresceu na comunidade de Santana, situada no Distrito de Ribeirão de São Joaquim, em Quatis. O belíssimo lugar, localizado entre a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira, serviu, no século XIX, de passagem dos tropeiros para a Capitania das Minas Gerais, o que favoreceu o desenvolvimento da localidade, além do comércio e da construção de inúmeras fazendas.
A trajetória histórica da comunidade está relacionada aos processos migratórios que ocorreram no local após o período da abolição da escravatura. Naquela época, as famílias dos libertos chegaram às terras da Fazenda Retiro, posteriormente, rebatizada de Santana, em homenagem à padroeira da fazenda. Em 1998, reconheceu-se a comunidade como remanescente de quilombo, e, atualmente, a culinária e a medicina alternativa constituem elementos culturais que vêm sendo transmitidos e reelaborados pelos moradores.
A esse respeito, Dona Olga é um arquivo vivo. Com 61 anos, embora não possa realizar o esforço físico que o trabalho agrícola exige, descreve essa experiência com um entusiasmo contagiante: “Eu gosto de colher muito é feijão e arroz, porque se vai batendo e depois se busca a enxada. Agora, o milho também é muito bom. [...] Fartura se vê quando faz um montão grande. É esse que eu gosto.” Ainda acrescenta: Eu quero plantar, eu quero colher. A gente tem umas vaquinhas aí, mas não tem lugar pra elas comer. [A terra] num precisa ser grande não, uns dois alquere tá bom, plantar milho, plantar mandioca, plantar feijão, arroz.”
Dona Olga tinha seis anos quando aprendeu a cozinhar. Das avós e da mãe, herdou as receitas, os utensílios e o modo como se relaciona com a terra. Integrando, organicamente, a cozinha e o território, saboreia cada memória sobre a forma como a mãe cozinhava: “[...] a couve que ela gostava muito de comer, ela fazia a couve bem fininha, botava numa panelinha que ela tinha [...]”.
Na cozinha, há inúmeras relíquias familiares: o caldeirão de ferro que já existia antes de Dona Olga nascer; a caneca que ganhara de sua mãe como presente de casamento; e o suporte de madeira em que coava o café com garapa. Com orgulho, ela comenta: “[...] nós plantava muito, era arroz, feijão, milho, batata, amendoim, melancia, pepino. Era de tudo que você pode imaginar de plantação”.
O açúcar era o único item da despensa que compravam; por isso, Dona Olga afirma: “Essa comida era a nossa riqueza. Não tem agrotóxico, não tem nada. Ela é feita com água e sereno.” Entretanto, a riqueza também decorre do fazer, já que a abóbora e a couve, encontradas no Quilombo de Santana, por exemplo, são ingredientes largamente utilizados nas receitas, de maneira criativa e sofisticada. Haja vista que a criatividade e a alquimia caminham juntas, lado a lado, de tudo se aproveita: o talo, a folha, a flor e a casca.
Sobre o bolo de casca de abóbora, Dona Olga menciona: “Isso é bom! É vitamina. Uma coisa que você come. É sustentável. Antigamente, não tinha muita farinha de trigo, mais era o fubá. O bolo de fubá é muito melhor [...]. Você pega a abóbora bem cascada. Lava bem lavadinha a casca e pica os pedacinhos, bota no liquidificador e bate. [...] Aí, bate bem batidinho [...].”
A flor e o broto de abóbora são utilizados na omelete, com maestria por Dona Olga: “Pega a flor da abóbora e bate o ovo bem batidinho. Aí, você pica bem lavadinho, porque ela tem um negocinho por dentro. Pica ela [a cambuquira] bem picadinha, coloca no ovo, bota um pouquinho de farinha. [...] Hum, prova, pra vocês vê [...].”