Quilombo São José da Serra Valença, Região Médio Paraíba
“Comer, rezar e celebrar”, eis o lema do Quilombo de São José da Serra! A comunidade, situada no Distrito de Santa Izabel do Rio Preto, em Valença, é terra de gente acolhedora que faz da culinária uma personagem central nas celebrações religiosas e cotidianas.
Os moradores de São José da Serra são netos, bisnetos e tataranetos de dois casais de escravos da fazenda de São José da Serra: Tertuliano e Miquelina; Pedro e Militana. A região, na primeira metade do século XIX, foi a principal área de produção de café no Brasil. Naquele período, a população escrava que trabalhava nas fazendas era majoritariamente formada por falantes de banto, os quais foram trazidas da África, principalmente dos portos do Congo, de Angola e de Moçambique.
Por conseguinte, hoje, as práticas culturais reelaboradas pelos moradores de São José relacionam-se às heranças imateriais que receberam dos antepassados. Entre elas, além do famoso jongo de São José da Serra, destaca-se a singular relação entre culinária, celebração e religiosidade.
Nessa comunidade, onde nasceu Dona Terezinha, mais conhecida como Tia Tetê, as festas acontecem o ano todo. Assim, como uma das pessoas responsáveis pela transmissão dos saberes culinários, ela mantém a cozinha de portas abertas para os comensais que chegam à sua casa. Sobre isso, comenta com satisfação: “Aí, todo mundo vem comer
aqui em casa. A comunidade todinha, na Semana Santa, dia de Ano, Natal... Aí, cada um faz o que tem que fazer em casa, mas vem aqui pra poder partilhar todos juntos. Todo ano é assim.”
Na cozinha de Tia Tetê, as ressonâncias da ancestralidade ecoam, inclusive, nos utensílios da cozinha, como, por exemplo, a chaleira, o caldeirão de ferro e o pilão. Quando indagada a respeito da idade dos utensílios, ela repete a frase em um ritmo bem marcado: “Ih! Do tempo do cativeiro...” Com carinho, ela se refere à chaleira de quase 200 anos que herdara de sua tataravó. “Essa aqui a gente, quando moía a cana, moía a garapa nela, fazia café. [...] a mamãe que dizia que já conhecia [a chaleira] do tempo da bisavó da minha mãe. Então, é uma coisa que tem quase 200 anos.” Desfazer-se da chaleira? Nem pensar! “Ela tá boa ainda.”
Assim, as receitas da broa de caçarola, da abóbora com carne seca e da paçoca de amendoim com fubá, preparadas, com destreza, por Tia Tetê e por sua filha Maria Aparecida, são expressões de um fazer em que passado e presente dialogam para celebrar cada momento da vida.