Segunda-feira, 14 de Novembro de 2016 às 15:00 Postado por A COZINHA DOS QUILOMBOS História dos Quilombos

Quilombo de Boa Esperança Areal, Região Centro Sul Fluminense

Quilombo de Boa Esperança Areal, Região Centro Sul Fluminense

Seu João da Cruz Fonseca, antigo morador do Quilombo de Boa Esperança - situado no Município de Areal -, é um contador de histórias com um repertório que combina lendas, contos e fatos sobre alimentação do grupo. Por meio dos “causos” de Seu João, a narrativa explica, além da peculiar vida da comunidade, a origem do nome do quilombo: “Boa Esperança surgiu dos escravos. Ainda na escravidão, esses escravos que ficaram como herdeiros, um deles comentou com os outros que tinha uma esperança de liberdade, de ser dono da vida dele, de fazer o que quiser da vida dele. Aí foi... foi... foi... veio a liberdade. Aí, os outros escravos que escutaram ele falar aquilo falaram com ele: Você viu, que boa esperança você teve? De ser libertado. Aí, ficou o nome do lugar de Boa Esperança.”

No arquivo de Seu João, também existem algumas histórias de assombração, como, por exemplo, a lenda do lobisomem, a qual se relaciona à culinária: “Mangalô é que a gente come, a gente planta ele e sobe na árvore [...]. Ele dá aquela vargem, igual feijão. A pessoa colhe, vem verde, e faz pra comer. Tempera igual feijão. A gente chama de comida de lobisomem.” 

Além do epíteto de “comida de lobisomem”, as leguminosas enriquecem o imaginário familiar, sobre o que Seu João relembra: “Na época, era guando, né, quando minha mãe fazia. A fava, o mangalô, feijão miúdo era aquele, muito gostoso.” No ínterim dessa mesma conversa, Celso Fonseca, de 56 anos, filho de Seu João, acrescenta: “Eu lembro muito do feijão miúdo, da fava, guando. Minha mãe fazia, eu gostava muito.” Além deles, Rosemere Fonseca, de 33 anos, neta Seu João e filha de Celso, atualiza o status da fava: “Eu vi que o quilo da fava é muito caro. Mais caro que um pacote de um quilo de feijão.”

Igualmente, com açúcar e com afeto, a rapadura emerge com um dos alimentos para a família. Sobre essa iguaria regional, Celso explica: “A rapadura foi um meio de obrevivência. De alimentação também. Minha vó fazia rapadura, vendia e, com esse dinheiro, comprava roupa para a gente, né? Ela ajudava muito o meu pai. Meu pai também ajudava a comprar roupa para a gente. Então, esse dinheiro era mais pra sobrevivência mesmo, mais pra comprar roupa. Ela já aprendeu com os pais dela, né? Aí meu pai aprendeu, eu aprendi também. Os pais dela, né?... e os anteriores já sabiam fazer também. Então, essa cultura, a gente não perdeu não, continua com a gente até hoje... da rapadura.''

Outro uso da cana-de-açúcar realizado pela comunidade era no café da manhã, conforme diz Celso: “[...] café de garapa. Esse é o nosso”. Nesse sentido, reforça Seu João: “[o café] Era feito com caldo de cana. Um dia, era mandioca, aipim; outro dia, era batata doce; outro dia, era inhame, banana cozida. Era assim. Gostoso [...] Me criei com isso.”